Por Miqueas Liborio de Jesus
MI da A.R.L.S Fritz Alt nº 3.194
Entre os maçons, é comum ouvir falar sobre a BOLSA DE BENEFICÊNCIA ou SACO DE BENEFICÊNCIA ou TRONCO DAS VIÚVAS ou TRONCO DE SOLIDARIEDADE, cuja finalidade é colher aquilo que o generoso coração dos obreiros deseja entregar à caridade. Diversos pesquisadores, sem chegar a um consenso, debruçaram-se na busca sobre a origem das ditas expressões, cujo significado representa o ato de se lembrar dos menos afortunados.
Aqueles que sustentam que a maçonaria possui suas raízes fincadas na construção do templo do Rei Salomão, dizem que à época tinha-se o costume de guardar os documentos da obra e o salário dos construtores (aprendizes e companheiros), geralmente em moedas ou sal, no interior das duas Colunas localizadas na entrada do Templo.
Por tradição da “Arte Real”, os recursos necessários à obra eram depositados no interior das colunas e premiava-se o trabalho dos aprendizes e companheiros (operários) com o seu conteúdo. Em razão de ordem lógica, as colunas não podiam ser transformadas em cofres para que os donatários fizessem seus depósitos. Logo, criou-se reproduções das colunas em miniaturas, a qual girava entre os obreiros a fim de receber as contribuições.
Segundo Oswaldo Generoso Dias (DIAS, 2018), “a mão se introduzia pelo alto do capitel, que a ocultava, havendo uma fenda no cimo do fuste, para a passagem das ofertas. Outros recipientes tinham a forma da Coluna, àquela que os arquitetos denominavam ‘Tronco’”. Sobre essa prática, DIAS destaca que:
Naquela época, a função caritativa da Maçonaria se tornou tão destacada, que a Ordem passou a ser identificada filantrópica, se ouvia falar que a imagem da Maçonaria era Fraternidade e Caridade. Assim, a antiga coleta que se fazia entre os sacerdotes foi estendida aos associados, passando a ser destinada às obras piedosas da corporação ou da Loja. Isso chegou a influir na denominação do “Tronco”, que passou a ser chamado de “Tronco da Beneficência” ou de “solidariedade” e em alguns Ritos “Tronco da Viúva”, em razão da palavra viúva exprimir todos os desvalidos da sorte.
Outros autores apontam que as expressões teriam surgido por volta do início do século XII, quando a Igreja Católica era governada pelo Papa Inocêncio III, considerado o Pontífice mais importante e influente da Idade Média. Sob seu comando, foi instituído o “Tronco do Senhor” com finalidade de ajudar aos pobres, porém não tardou para seu escopo ser desvirtuado, passando a angariar recursos para o custeio das obras da Cúria Romana.
Embora os fragmentos históricos tragam possíveis referências sobre a origem da prática de benemerência maçônica, somente no curso da idade média que se localizam os legítimos registros da sua existência. É na imersão do período da maçonaria operativa que se encontram os indicativos do que hoje tradicionalmente se costuma ouvir entre os obreiros da arte real.
Sabidamente, as Guildas eram compostas por pessoas qualificadas para trabalhar numa determinada função (pedreiro, carpinteiro, padeiro etc.). Elas eram uma espécie de associações de profissionais que se aperfeiçoaram e passaram a ser chamadas de “Corporações de Artífices”, observando que elas davam suporte social e financeiro e segurança aos seus membros e a família destes, quando falecidos.
Nesse contexto, o documento mais antigo que retrata esta obrigação é o “Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis” ou “Carta de Bolonha” (redigida originalmente em latim), editada pelo prefeito de Bolonha, Bonifacii di Cario, no dia 08 de agosto de 1248, cujo original é conservado atualmente no Arquivo de Estado de Bolonha, Itália. Referido documento, regulava a sociedade dos mestres do muro e da madeira, observando que em 1257 foi decidida a separação entre os Mestres do Muro e os Mestres da Madeira, que até então eram uma única Corporação.
Sobre a temática tratada neste singelo escrito, a Carta de Bolonha em seus artigos XVII e XVIII preconizava que:
XVII – Que todos os mestres estejam obrigados a acudir junto a um associado defunto quando forem convocados
Estatuímos e ordenamos que se algum de nossos associados for chamado ou citado pelo núncio, ou pôr outro em seu lugar, a fim de acudir a um associado seu defunto e não se apresentar, que pague a título de multa doze denários bolonheses, amenos que tenha uma autorização ou um real impedimento. E o corpo deve ser levado por homens de dita sociedade. E o núncio da sociedade deve obter da assembleia da sociedade 18 denários bolonheses pela morte dos haveres da sociedade. E se o núncio não for nem acudir à reunião dos associados, que pague a título de multa 18 denários à sociedade. E que os oficiais e o maceiro estejam obrigados a recolher estas somas.
XVIII – Que os oficiais estejam obrigados a assistir os associados enfermos e a lhes dar conselho
Estatuímos e ordenamos que se um de nossos associados estiver enfermo que os oficiais tenham o dever de visitá-los se se inteirarem disso, e de lhes dar conselho e audiência. E se falecer e não tiver como ser enterrado, que a sociedade o faça enterrar honrosamente às suas expensas. E que o maceiro possa gastar até à soma de 10 soldos bolonheses e não mais. (IBLANCHIER, 2018)
Pelo referido estatuto, os membros da Corporação tinham o dever de sair em auxílio a um dos seus, quando em necessidade. Não obstante a Carta de Bolonha ter fixado o dever em comento, por volta do século XV, entres os operativos a prática da ajuda mútua se manifestava firme no princípio de que, entre eles, existia a prática da verdadeira fraternidade entre os irmãos. Sobre isso escreveu José Aparecido dos Santos (SANTOS, 2016):
Em 1450 foi criado entre os construtores um sistema de ajuda mútua. Tal sistema recebeu o nome de Tronco das Viúvas. A finalidade do recolhimento de óbolos para a formação do Tronco era auxiliar a família do Obreiro falecido tendo, depois, adquirido um segundo destino: ajudar o Maçom acidentado no serviço.
[…].
A criação do Tronco das Viúvas se estabeleceu definitivamente quando da reunião dos Talhadores de Pedra alemães, uma vez que seu regulamento foi incluído nos Estatutos Reguladores da Conferência dos Talhadores de Pedra. Essa reunião ocorreu em 25 de abril de 1450, em Ratisbona.
Seguindo, SANTOS acentua que os artigos 25 a 27 do documento fixaram definitivamente o Tronco das Viúvas, cujo teor foi assim redigido:
Art. 25 – A fim de que o Espírito de Fraternidade possa manter-se integral sob os auspícios divinos, todo o mestre que tem a direção de um canteiro deve, desde que foi recebido na corporação doar um gulden (florim).
Art. 26 – Todos os Mestres e empreiteiros devem ter, cada um, um Tronco no qual cada Companheiro deve colocar um pfennig (centavo) por semana. Cada Mestre deve recolher esse dinheiro e tudo que chegue ao Tronco e remeter à corporação no fim de cada ano.
Art. 27 – Doações e multas devem ser depositadas nos Troncos da comunidade a fim de que os ofícios divinos sejam melhor celebrados.
Sobre o Tronco das Viúvas, Assis Carvalho (CARVALHO 2002) sustenta que:
O Tronco das Viúvas é o mais antigo sistema de auxílio mútuo, praticado entre os Maçons, em benefício da família maçônica. Era um sistema peculiar, particular, de arrecadar, de levantar fundos para auxiliar as Cunhadas, Irmãos e Sobrinhos dos Irmãos falecidos, mas também, o próprio Irmão acidentando e impossibilitado de ganhar o sustento da família.
Independente da origem, a caridade ou o socorro aos necessitados depende da consciência de cada Maçom. Vale lembrar, que a soma dos óbolos é destinada àqueles que porventura necessitam, pois a prática da caridade visa implementar o ideal maçônico calcado no verdadeiro amor fraterno.
Esta prática constitui um dos mais antigos e tradicionais costumes da Maçonaria e maçons modernos, por dever, têm a obrigação de transmiti-la às futuras gerações de iniciados, eis que, pelas antigas tradições, ficou grafado na memória do tempo que os Maçons jamais se reúnam sem pensar nos pobres e nos desamparados da sorte.
Por fim, a esmoleira que circula em Loja, não passa de uma espécie de treinamento, visando acostumar os Obreiros à generosidade, de um exercício que procura lembrar-lhes que, em toda parte e principalmente na Maçonaria, haverá sempre alguém à espera de ser socorrido por aqueles que desfrutam de uma situação de bem-estar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, Assis. A Maçonaria – Usos & Costumes. A Trolha, 2002.
DIAS, Oswaldo Generoso. TRONCO DE BENEFICÊNCIA. Iblanchier, 2018. em: http://iblanchier3.blogspot.com/2018/06/tronco-de-beneficencia.html – Acessado em 15/06/2022.
A Carta de Bolonha (1248) – O mais antigo documento Maçónico. FREEMASON, 2020. Disponível em: https://www.freemason.pt/a-carta-de-bolonha-1248-o-mais-antigo-documento-maconico/ – Acessado em 15/06/2022.
SANTOS, José Aparecido dos. As origens do tronco de solidariedade ou saco de beneficência. O Malhete, 2016. Disponível em http://omalhete.blogspot.com/2016/05/as-origens-do-tronco-de-solidariedade.html – Acessado em 15/06/2022.