Inicio esta reflexão trazendo à colação um provérbio, de suposta procedência oriental, que diz mais ou menos assim: “Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”. Embora não seja eu um estudioso da matéria, mas um mero observador dos dias que se rompem, ouso dizer que estamos vivenciando um estranho caminhar da humanidade.
Por vezes questiono-me sobre onde foi que nos perdemos? Não é crível que a adolescência, período transitória que conecta a infância a fase adulta da vida (legalmente considerada entre os 12 a 18 anos), estenda-se para além dos 30 anos de idade. É estranho olhar arquétipos que indicam se tratar de pessoas adultas, mas que exteriorizam comportamentos opostos, mostrando-se com estereótipos “infantilóides”.
Certamente, muito se deve aos excessos de aconchego familiar, onde os pais e mães criaram e criam seus filhos dentro de uma redoma, protegendo-os da influência do mundo exterior. Com isso, impediram e impedem que tomem conhecimento das aventuras e desventuras da vida. Neste ponto, ouso dizer que aqueles que padecem da “Síndrome de Peter Pan”, na verdade são frutos da “síndrome do útero estendido”, termo este por mim aqui cunhado, a fim de designar aqueles pais que superprotegem suas proles, aniquilando-as mental e intelectualmente.
É preciso recordar que o ser humano é um animal por excelência da natureza, diferenciando-se dos demais pela consciência que tem sobre a efemeridade da vida e que, em decorrência disso, mais cedo ou mais tarde, perecerá como qualquer outro ser vivo na face da terra. Não viso aqui nivelar o ser humano as demais espécies. Procuro apenas expressar que, na natureza, sobrevive aquele que estiver melhor adaptado ao meio ambiente que está inserido.
A adaptação requer aptidão para enfrentar as dificuldades e, principalmente, para superá-las. Na natureza, as dificuldades, não raro, leva ao perecimento da vida. Logo, o medo é o impulso que move a marcha de todos os seres, na medida que a vida é o bem mais precioso que toda criatura carrega consigo.
Embora o homem, na visão aristotélica, seja naturalmente um animal político, razão pela qual, ante suas debilidades, tende a viver em grupo (sociedade), pois assim, e somente assim, sobreviveria as adversidades que enfrentaria em meio a natureza, é preciso dizer que na constância da vida em grupo as agruras primitivas não foram eliminadas. Elas persistem, porém sob outras roupagens. A bem da verdade, elas foram adaptadas ao contexto social humano e, assim como ocorre na natureza, o animal humano deve enfrentar dilemas ou desafios como forma de se adaptar e seguir evoluindo.
A vivência social requer coragem para enfrentar a problemática da vida. Logo, cada indivíduo precisa, desde cedo, ser conscientizado sobre a imensidão que o aguarda. Aos pais, cumpre o papel de remover as vendas da infância, a fim de que o mundo cor-de-rosa seja visto como ele realmente é, cujas cores, muitas vezes, não são vibrantes. É dever do pai ou da mãe descortinar a janela, possibilitando que o filho veja o exterior como ele realmente é, permitindo que cresça física e mentalmente e esteja ciente de que é necessário não ter medo de “encarar o touro de frente” (vida). Afinal, viver é flertar com o risco.
Neste ponto, salvo ledo engano, natural de um mero espectador da existência humana, por eras, homens e mulheres enfrentaram os dilemas dos seus tempos e os superaram. Isto permitiu que a humanidade prosseguisse sua marcha, dentro da dinâmica proverbial que diz que “homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos (…)”. Destaca-se que aqui não se fala da fraqueza ou debilidade física, mas da mental ou psíquica para enfrentar e superar dificuldades.
Ouso dizer que aquelas pessoas fortes, da primeira metade do século XX, dadas as dificuldades do seu tempo, trabalham com afinco e abrandaram as décadas seguintes, tornando-as mais fáceis. Sobre esta pedra angular seus filhos tornaram-se pais, os quais não mediram esforços para facilitar ainda mais a caminhada das suas descendências, guarnecendo-as das dificuldades da vida, tornando-as debilitadas quando comparadas com seus avós. Essa geração, por seu turno, procriou e dela ergueu-se indivíduos menos hábeis para enfrentar os dilemas do seu tempo.
Nesse ponto, é preciso registrar que cada tempo possui suas próprias características. Embora a história seja cíclica, onde os fatos teimam em se repetir, cabe pontuar que é inegável que as últimas quatro décadas houve um vigoroso salto em desenvolvimento tecnológico, o que contribuiu para transformar as relações interpessoais, inclusive trouxe maior comodidade às pessoas. O acesso fácil a todo tipo de informação e utensílios traçou novos contornos a tudo até então vivenciado.
É visível que os tempos atuais imprimiu novo ritmo às pessoas, assim como estabeleceu novos conceitos e valores a tudo aquilo que nos cerca, inclusive fixou uma nova equação sobre tempo e espaço. Não raro, as pessoas se dão conta que trabalharam muito, porém sem ter realizado tudo o que precisava ser feito. Em meio a esse turbilhão de ocorrências e eventos, as pessoas não perceberam as transformações dos valores e dos princípios, assim como do assombroso agigantamento de responsabilidades inúteis que cada um coloca sobre si.
Diferente de outros tempos, onde pais e filhos ombreavam lado a lado na senda existencial, o que contribuiu para forjar pessoas aptas a enfrentar seus próprios dilemas, as gerações atuais cresceram e crescem dentro de bolhas e cercadas ou protegidas do mundo exterior, pois os pais, ante a busca desenfreada pela subsistência ou da autor realização profissional, cada vez menos se ocuparam da educação das proles.
Não é difícil perceber que as relações entre pais e filhos se tornaram superficiais. Isto se deve ao fato de que os pais modernos, diga-se assim, despiram-se do mister primordial de educar suas descendências, segundo os princípios e valores que herdaram. Conscientes ou não, estabeleceram uma relação de amizade com seus filhos. Para tanto, despojaram-se de todos os símbolos que deveriam representar e repassar às futuras gerações. Logo, passaram a se colocar como amigos e não mais como autoridades paternas. Sabidamente, o pai ou a mãe, resumidamente, são símbolos de disciplina e hierarquia, que em nada se assemelha ao significado de amigo.
Os pais, na acepção pura da palavra, carregam sobre seus ombros o dever primordial de educar, tarefa esta que implica em estabelecer limites ou contenção aos impulsos, a fim de que o individuo aprenda a se postar diante dos dilemas ou adversidades da vida. Noutro giro, amigo revela uma condição de cumplicidade e, sob este prisma, a responsabilidade deixa de ser prioridade, pois o cúmplice é aquele colabora para a realização de algo, partilhando do ato ou da experiência com outrem, seja para o bem ou para o mal.
Para alguns pais, a relação de amizade muito se deve pelo sentimento de culpa, consciente ou não, que se arrogam por não conseguir entregar aos filhos aquilo que inconscientemente sabem que deveriam dar, segundo o modelo de educação que receberam. Para outros, nada mais é do que a negação a educação rígida que receberam, somada ao desejo de que seus filhos não expirienciem as dificuldades que eles próprios vivenciaram.
Dentro dessa novel dinâmica, os pais modernos, atormentados pelas culpas que carregam ou buscando impedir que os filhos experimentem dificuldades, adotaram o mecanismo da compensação. Passaram a conceder todo tipo de comodidades em detrimento da meritocracia. Com isso, estabeleceram a infame crença de que não é preciso esforço para receber. Basta pedir que receberá. A bem da verdade, tal mecanismo nada mais é do que um dose de morfina, injetada para aliviar as dores da consciência que cada pai ou mãe carrega consigo.
Esse modelo de educação familiar, pautado no excesso de aconchego, no recebimento de compensações, sem mérito para tanto, e de superproteção, cria um ambiente divorciado do mundo real. Nele, os filhos são encastelados e crescem como verdadeiros príncipes e senhores do reino (casa/família), o qual é diuturnamente alimentado pelas mentes atormentadas dos pais, cujas concessões outorgam poderes inimagináveis aos pequenos e eternos príncipes, dotando-os das prerrogativas de subjugar todas as forças reinantes no local, criando a ilusão de que tudo pode, sem sofrer pelas responsabilidades dos atos, típicas da selva social em que um dia serão lançados.
Cercados por todo tipo de tecnologia e com fácil acesso aos bens da vida, os pequenos príncipes crescem sem experimentar qualquer tipo de dificuldade ou limites nos seus desejos, cujas requisições são de plano atendidas. Isto contribui para formar pessoas instáveis emocionalmente, bem como incapazes de lidar com as frustrações decorrentes dos dilemas da vida. A ansiedade e a depressão é uma constância, pois o mundo real não oferece as facilidades do útero estendido da família.
Os príncipes crescem, mas continuam pequenos mental e psicologicamente, pois não experimentaram os dilemas no tempo em que deveriam vivenciar. Com isso, têm-se indivíduos com comportamentos infantis, inseguros, imaturos e inábeis diante do mundo real, verificando-se que neles operou-se uma verdadeira procrastinação da fase pueril, estendendo-se para além do necessário e empurrando a adolescência para a idade que deveria ser adulta. O medo, a insatisfação e a dificuldade de estabelecer vínculos com outras pessoas conduzem a um estado de frustração.
Psicologicamente, as pessoas nascidas de 1990 para cá, estão mais vulneráveis e suscetíveis a toda espécie de turbulência. São frágeis emocionalmente, insatisfeitas e desprovidas do senso de responsabilidade, além de pouco se esforçam para alcançar os objetivos. Tais condições são decorrentes da “síndrome do útero estendido”, termo este empregado para expressar o ambiente protecionista criado pelos homens e mulheres enfraquecidos no curso da existência humana, posto serem os herdeiros daqueles que facilitaram seu tempo.
Dentro dessa dinâmica e considerando que “homens fracos criam tempos difíceis”, creio que em breve o pêndulo do tempo reclamará a presença de homens fortes. Até lá, a esperança é que os pequenos príncipes não limpem minha bunda.
NOTA: Trabalho apresentado na Cadeira de Autoconhecimento I, do Curso de Parapsicologia e Ciências Mentais, do Instituto de Parapsicologia e Ciências Mentais de Joinville – PSI.
Comentários ao vídeo intitulado “Síndrome de Peter Pan”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=iMWZZfX10CQ – acessado em 06/12/2022.
Professor Eduardo O. Carvalho.