1. Introdução
A realidade das cidades brasileiras suscita um questionamento recorrente: por que algumas conseguem oferecer serviços públicos de qualidade enquanto outras mal conseguem manter o básico funcionando? Apesar de os Municípios possuírem autonomia para instituir e arrecadar tributos, bem como receberem receitas por meio da repartição constitucional do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e de transferências voluntárias, a crise financeira persiste para muitos Municípios.
A ausência de planejamento adequado e de uma administração tributária eficiente é um dos principais fatores que agravam esse cenário. Muitas cidades não possuem sistemas modernos de fiscalização e arrecadação, o que resulta em perdas significativas de receita. Além disso, a falta de qualificação da mão de obra fiscal e de infraestrutura adequada, como tecnologia e equipamentos, dificulta a implementação de ações estruturantes que poderiam romper o ciclo de dependência financeira.
Essa constatação revela que o problema não está apenas no volume de recursos, mas sobretudo no modo como eles são geridos. O epicentro dessa problemática está na ausência de uma administração tributária eficiente, que deveria ser o elo entre a legislação tributária e a efetiva arrecadação das receitas públicas. Sem arrecadação adequada, a concretude dos direitos fundamentais torna-se comprometida.
Assim, o objetivo deste artigo é abordar a relação entre responsabilidade na gestão fiscal e reestruturação da administração tributária, a qual ganha ainda mais relevância no contexto da Emenda Constitucional 132/2023, que introduz o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Esse novo modelo federativo exige maior integração, tecnologia e profissionalização, tornando a eficiência fiscal um fator determinante para o sucesso das cidades brasileiras.
2. Responsabilidade na gestão fiscal
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), em seu art. 11, estabelece que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do Ente da Federação”. Esse dispositivo reforça que não basta prever tributos em lei; é imprescindível adotar medidas concretas para garantir sua arrecadação.
A efetiva arrecadação exige ações práticas, como fiscalizações, auditorias e diligências, que demandam contato direto com os contribuintes. Essas operações são fundamentais para identificar fatos geradores e combater a sonegação ou evasão fiscal, práticas tipificadas como crimes pela Lei Federal 8.137/1990. A ausência de tais medidas leva à estagnação ou redução das receitas, prejudicando a gestão das cidades.
Portanto, a responsabilidade fiscal vai além do cumprimento de normas legais; ela requer uma gestão proativa, com investimento em infraestrutura e qualificação profissional, para assegurar que os recursos necessários à Administração Pública sejam arrecadados de forma eficiente e transparente, em conformidade com o princípio da eficiência previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Nesse contexto, a administração tributária e seus servidores fiscais devem ser vistos como eixo central para o fortalecimento da autonomia municipal. Investir em sua modernização, com sistemas informatizados e capacitação de servidores, é essencial para aumentar a arrecadação própria e reduzir a dependência de recursos oriundos da União ou do Estado, permitindo que os Municípios cumpram suas missões constitucionais.
3. Administração tributária como eixo central
A Constituição Federal, nos incisos XVIII e XXII do art. 37, expressa que as administrações tributárias dos três níveis de governo são atividades essenciais ao funcionamento do Estado, razão pela qual possuem precedência sobre os demais setores da administração e devem ser exercidas por servidores organizado em carreiras específicas e, inclusive, dotadas de recursos prioritários.
A precedência cunhada no inc. XVIII do art. 37 da CF reconhece a relevância da administração tributária e dos servidores fiscais para o funcionamento do Município, exigindo que sejam providos de condições adequadas para desempenhar suas funções.
Para garantir a eficácia da arrecadação, é indispensável: qualificar continuamente a mão de obra fiscal; disponibilizar tecnologia e equipamentos; bem como assegurar prioridade orçamentária à administração tributária. A modernização dos sistemas fiscais, com a adoção de ferramentas informatizadas, permite agilizar processos e reduzir a burocracia, que consome recursos das empresas e compromete a eficiência fiscal.
Além disso, a reformulação das legislações tributárias, adaptando-as às novas dinâmicas sociais, é crucial para facilitar o cumprimento das obrigações pelos contribuintes. A administração tributária deve ser dinâmica, com mobilidade para realizar fiscalizações e auditorias, garantindo a correta apuração dos tributos devidos e combatendo práticas ilícitas, como a sonegação fiscal.
4. Fiscalização e atividade arrecadatória
A arrecadação efetiva vai além da previsão legal, exigindo ações diretas de fiscalização, como auditorias, diligências e visitas aos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços ou domicílios de pessoas naturais. Essas operações têm como objetivo coletar informações sobre fatos geradores e identificar condutas de sonegação ou evasão fiscal. Portanto, são essenciais para garantir a regularidade da arrecadação e a justiça fiscal.
No entanto, a atuação do fisco deve ser equilibrada, combinando rigor no combate à inadimplência com iniciativas que promovam o cumprimento voluntário das obrigações tributárias. Medidas pedagógicas, como prazos para regularização e programas de conformidade, podem reduzir a litigiosidade e evitar que casos cheguem ao Judiciário. As autuações devem ser reservadas para situações em que o contribuinte, mesmo notificado, persiste no descumprimento.
Essa abordagem proativa fortalece a imagem do fisco como um órgão orientador, e não apenas repressivo ou punitivo, promovendo a regularidade arrecadatória. A fiscalização eficiente, portanto, é um pilar da gestão fiscal responsável, exigindo planejamento e recursos adequados.
Assim sendo, o fisco precisa manter firmeza no combate à inadimplência, mas também oferecer oportunidades para regularização voluntária. Medidas educativas, programas de conformidade e prazos para ajuste são instrumentos que favorecem a arrecadação e reduzem a litigiosidade.
Vale a máxima de que um sábio soberano não deve almejar a guerra, mas deve estar sempre preparado para ela, devendo sorrir quando chegar a hora. Portanto, o fisco do Século XXI precisaequilibrar rigor e razoabilidade. A autuação deve ser o último recurso, aplicada apenas quando o contribuinte, mesmo notificado, persiste em se rebelar e não seguir o caminho traçado para o adequado cumprimento da obrigação tributária. Essa postura fortalece a relação entre fisco e sociedade e melhora a percepção da legitimidade da cobrança e da gestão empreendida.
5. Impactos da Reforma Tributária do Consumo
A Emenda Constitucional 132/2023 inaugurou um novo paradigma de tributação sobre o consumo, pois, ao dispor que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, rompeu com o modelo de competência privativa e impôs maior integração entre os fiscos estaduais e municipais, assim como, por arrastamento, também a União, eis que a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é estruturalmente idêntica ao IBS (arts. 149-B e 195, §16, CF/1988).
O IBS será cobrado pela soma das alíquotas do Estado e do Município de destino. Portanto, sua arrecadação exigirá cooperação e integração entre as administrações tributárias estaduais e municipais, conforme preconizado no inc. XXII do art. 37 da Constituição.
Nesse novo cenário de integração federativa, a Constituição atribuiu ao Comitê Gestor do IBS (CGIBS) a função de coordenar as administrações tributárias estaduais, distrital e municipais na execução das atividades administrativas relacionadas ao imposto, incluindo a fiscalização, lançamento e a cobrança (art. 156-B, §2º, V), cabendo-lhe a missão constitucional de promover a arrecadação, a compensação e a distribuição do produto da arrecadação (art. 156-B, I) aos Entes.
À luz do novo modelo interfederativo de tributação sobre o consumo, nenhum Ente federativo atuará isoladamente e muito menos arrecadará para si, pois o longo processo de transição estabelecido a partir de 2029 a 2077, migrando gradualmente a tributação na origem para o destino, embora apoiado na arrecadação do IBS no destino, sofrerá os efeitos dos mecanismos de retenções e redistribuição do produto arrecadado para a origem.
Portanto, a fórceps, o legislador constituinte impôs aos Estados e aos Municípios o dever de atuação integrada e de modo cooperativo. Resulta dizer que a EC 132/2023 relativizou a competência tributária dos Entes, impedindo-os de dispor sobre o imposto ao bel prazer, a exemplo do que ocorre com os tributos a serem extintos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). Igualmente, relativizou a capacidade tributária ativa.
Dentro desse contexto, cada administração tributária tornar-se-á um importante elo da nova corrente federativa. Sob o prisma do IBS, a fragilidade de qualquer Município comprometerá a arrecadação de todos os Entes, visto que nos próximos 50 anos todos, sem exceção, atuarão e arrecadarão para o sistema. Nenhum valor ingressará direta e imediatamente nos seus caixas, senão por meio da distribuição a cargo do CGIBS.
Indubitavelmente, as administrações tributárias municipais serão ainda mais exigidas. Suas ações influenciarão na arrecadação direta do Município e imediatamente do Estado, observando que este, por imposição constitucional, deve entregar aos Municípios 25% do que arrecada do IBS.
Nesse novo federalismo fiscal, nenhum Ente (União, Estados, Distrito Federal e Município) pode, isoladamente, dispor sobre regras e interpretação do IVA brasileiro. O modelo dual de tributação exigirá e imporá integração tecnológica, troca permanente de informações e cooperação interfederativa em alto nível entre os Estados e os Municípios e entre estes e a Receita Federal do Brasil, pois, como dito, a CBS e o IBS são estruturalmente idênticosem seus elementos essenciais. Ambos têm os mesmos fatos geradores, sujeitos passivos e bases de cálculo, as mesmas regras de creditamento (não cumulativos) e as mesmas exceções (não incidência, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos).
A operacionalização do modelo está regrada na LC 214/2025, nos arts. 58 a 62. No que concerne à administração dos dois tributos, os arts. 317 a 341 prescrevem disposições em regulamento conjunto entre a União e o CGIBS, que institui instâncias de harmonização (Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias) e trata da fiscalização e do lançamento de ofício (competência, procedimento de fiscalização, domicílio tributário eletrônico, presunções legais, documentos fiscais, regime especial de fiscalização etc.).
Esse novo modelo reforça a necessidade de fortalecimento institucional das administrações municipais, com investimentos em tecnologia, capacitação e integração com os fiscos estaduais e distrital. A eficiência da administração tributária municipal será determinante para o sucesso do novel sistema multifederativo.
7. Responsabilidade do gestor e prioridades de governo à luz do novo federalismo fiscal brasileiro
O prefeito, como principal ator da gestão municipal, detém o poder-dever de priorizar a administração tributária como política estratégica de governo. A escolha por investir em sua modernização, com recursos para tecnologia, capacitação de servidores fiscais e programas de conformidade, é determinante para o equilíbrio financeiro e a prosperidade da cidade.
A proatividade fiscal, com foco na regularização das obrigações antes da aplicação de sanções, rompe a imagem intimidatória do fisco, promovendo tranquilidade à sociedade e garantindo a arrecadação necessária às políticas públicas. O gestor deve assegurar que a administração tributária tenha prioridade orçamentária, infraestrutura adequada e legislações atualizadas, com vistas a adentrar ao novo federalismo fiscal de cooperação e integração entre os fiscos dos três níveis de governo.
Logo, no contexto Emenda Constitucional 132/2023, o poder-dever que repousa sobre os ombros dos gestores municipais assume dimensões que extrapolam a moldura dos Municípios. Portanto, a responsabilidade dos secretários de fazenda ou de pastas equivalentes e, inclusive, dos prefeitos, ganha relevância central, pois, além da missão de zelar pelo equilíbrio financeiro do Município, cumpre-lhes o mister de instrumentalizar a administração tributária e seus servidores fiscais a fim de dotá-los das condições e dos meios necessários para atuarem no novo contexto da competência compartilhada do IBS, onde as ações municipais influenciam não apenas a arrecadação municipal, mas também a estadual.
Novamente, vale o alerta sobre o cenário de transição do IBS (de 2029 a 2077), onde nenhum Ente federativo atuará ou arrecadará isoladamente, senão sob a coordenação do CGIBS. Modernizar a administração tributária não é uma opção; é um imperativo constitucional que determinará o sucesso ou o fracasso da cidade e do novo sistema com um todo. Somente o prefeito possui a autoridade para eleger essas prioridades, decidindo entre a ruína financeira ou a prosperidade sustentável, promovendo justiça fiscal e tranquilidade à sociedade.
Ao priorizar a administração tributária, o gestor municipal não apenas cumpre o mandamento constitucional de responsabilidade na gestão fiscal, mas também assegura que o Município e, inclusive, seu governo, assuma, de fato e de direito, o protagonismo que lhe cabe no novo federalismo fiscal brasileiro e consequentemente no contexto político do poder local, estadual e nacional, afinal, a Reforma Tributária do Consumo simplifica impostos, promove justiça fiscal e impulsiona o crescimento econômico, começando no Município, onde tudo ganha vida.
Por fim, a responsabilidade fiscal exige do prefeito uma visão estratégica, reconhecendo que a eficiência da administração tributária é o pilar para a sustentabilidade financeira do Município e a concretização dos direitos fundamentais. A decisão de fortalecer a estrutura arrecadatória é, na prática, a escolha entre a prosperidade e a estagnação do Município. Investir na administração tributária deixa de ser apenas uma meta fiscal e passa a ser um requisito de boa governança.
8. Conclusão
A eficiência da administração tributária é indispensável para a responsabilidade na gestão fiscal e para a efetivação dos direitos fundamentais. Logo, trata-se de signo de boa governança.
A EC 132/2023, ao dispor sobre o IBS, impôs um modelo multifederativo de tributação. A Reforma Tributária do Consumo inaugura um novo capítulo na história do federalismo fiscal brasileiro, impondo aos Municípios uma responsabilidade sem precedentes. Nesse novo contexto, eleva-se a relevância da integração, modernização e profissionalização das administrações tributárias, que passam a atuar como elos de uma corrente federativa onde a fragilidade de um compromete todos.
A transição para o modelo do IBS exige não apenas cooperação técnica entre os Entes federativos, mas também uma transformação estrutural das administrações tributárias municipais, a fim de mitigar os riscos que podem comprometer suas próprias arrecadações e a de outros Entes, impactando negativamente todo o equilíbrio do novo sistema multifederativo.
Nesse novo cenário, o prefeito assume um papel central ao priorizar a administração tributária como política estratégica, promovendo uma abordagem proativa que equilibre rigor e razoabilidade, incentivando o cumprimento voluntário das obrigações tributárias e reservando sanções para casos extremos.
Essa visão estratégica não apenas assegurará a sustentabilidade financeira do Município, mas também posiciona a cidade como protagonista no federalismo fiscal brasileiro, contribuindo para a justiça fiscal, o crescimento econômico e a efetivação de políticas públicas de qualidade. Assim, a Reforma Tributária do Consumo, aliada à responsabilidade fiscal, representa uma oportunidade histórica para transformar a gestão municipal e impulsionar o desenvolvimento sustentável das cidades.
Diante desse cenário, os prefeitos assumem um papel estratégico: sua decisão de priorizar a administração tributária determinará se o Município será protagonista ou mero espectador na implementação do novo modelo. A reestruturação do fisco local, com investimentos em tecnologia, inteligência fiscal e programas de conformidade, é o único caminho para garantir uma arrecadação eficiente, reduzir a litigiosidade e promover segurança jurídica aos contribuintes. A omissão nessa área resultará em perda de autonomia e aumento da dependência de transferências da União ou dos Estado.
Além de atender às exigências constitucionais de responsabilidade fiscal, fortalecer a administração tributária significa promover justiça fiscal, assegurar a distribuição equitativa da carga tributária e possibilitar que o Município financie políticas públicas de qualidade.
Portanto, a conclusão que se impõe é clara: a Reforma Tributária não será bem-sucedida se os Municípios não assumirem sua parcela de protagonismo. O fortalecimento institucional das administrações tributárias municipais é um imperativo constitucional e político. Cabe ao gestor municipal liderar esse processo, elegendo a administração tributária como prioridade de governo, para que o novo modelo federativo seja capaz de entregar os benefícios prometidos (simplificação, eficiência e justiça fiscal) transformando o Município em motor de desenvolvimento e garantindo prosperidade sustentável para as próximas gerações.
9. Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 set. 2025.
________. Emenda Constitucional 132/2023. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acesso em: 14 set. 2025.
________. Lei Complementar 101/2000. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 14 set. 2025.
________. Lei Complementar 214/2025. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em: 14 set. 2025.