RESUMO: O presente estudo abordará a evolução história do ITBI no contexto constitucional de 1946, 1967 e 1988, assim como versará sobre os desígnios da não incidência do imposto (imunidade tributária), na hipótese da transmissão de imóvel em realização de capital, destacando a disposição que veda a desoneração quando a pessoa jurídica adquirente tiver como atividade preponderante a especulação imobiliária. Além do mais, destacar-se-á o conceito de receita operacional estabelecido no artigo 37 do CTN e sua modificação em face da adoção do padrão internacional de contabilidade. Em decorrência disso, tratar-se-á das pessoas jurídicas que exclusivamente participam de outras sociedades, procurando verificar se isto impede ou não à fruição da imunidade tributária estampada no artigo 156, §2º, I, da CF/1988, bem como falar-se-á sobre o método de equivalência patrimonial para fins da aferição da preponderância da atividade.
PALAVRA-CHAVE: ITBI. Imunidade tributária. Participação Societária. Atividade preponderante. Receita operacional. Equivalência patrimonial.
INTRODUÇÃO
Sem a pretensão de exaurir o tema, o presente escrito visa debater o conceito de “receita operacional” para efeito da imunidade tributária estampada no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal de 1988, buscando verificar se a “participação em outras sociedades” corresponde ao exercício de atividade impeditiva à fruição da benesse em tela.
Noutro dizer, o cerne cinge verificar se a receita decorrente da participação societária gera ou não impedimento ao gozo da desoneração constitucional em tela. O debate passará pela apresentação da evolução cronológica do ITBI, evidenciando sua contextualização nas constituições de 1946, 1967 e 1988, assim como nas disposições do Código Tributário Nacional.
Para melhor compreensão, será abordado o escopo da imunidade tributária contida no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal de 1988, assim como as regras e conceitos empregadas para aferir a preponderância da atividade imobiliária. Por fim, será tratado a questão da participação noutras sociedades, a fim de verificar se é ou não impedimento a fruição da desoneração constitucional em comento.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ITBI NO CONTEXTO CONSTITUCIONAL E LEGAL
Sob a égide da Texto Constitucional de 1946, o ITBI achava-se inserto na esfera de ingerência dos Estados, os quais também podiam instituir o imposto sobre a “transmissão de propriedade causa mortis” (Art. 19, II e III). Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 5, de 21 de novembro de 1961, a competência passou a ser dos Municípios (art. 29, III). Nesta, o imposto incidia sobre a “transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedades”. Inexistia hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada (imunidade tributária).
Com a vigência da EC nº 18, promulgada em 1º de dezembro de 1965, a qual reformou o sistema tributário vigente à época, o ITBI acabou fusionado com o Imposto Sobre Transmissão de Propriedade Causa Mortis (ITCM) e regressou à competência dos Estados. Nesse sentido, dispôs o artigo 9º da aludida Emenda:
Art. 9º Compete aos Estados o impôsto sôbre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais sôbre imóveis, exceto os direitos reais de garantia. (SIC)
[…].
Da referida fusão surgiu o “Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos”, o qual, conforme se extrai da redação do §2º do supramencionado artigo 9º, passou a ter hipótese de não incidência (imunidade tributária):
[…].
§2º O impôsto não incide sôbre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. (SIC)
[…].
Portanto, restou exceptuado da incidência as transmissões dos bens ou direitos para fins da “incorporação ao capital social das pessoas jurídicas”, desde que estas hegemonicamente não se ocupassem da “venda ou a locação da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição”, ficando reservado à lei complementar o condão de disciplinar o que deveria ser entendido por “atividade preponderante”.
Nesse contexto, sobreveio a Lei Federal nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN), a qual, nos artigos 35 a 41, regulou o citado imposto. Todavia, as hipóteses de não incidência foram tratadas nos artigos 36:
Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Verifica-se que a redação deste artigo não se limitou ao conteúdo disposto no §2º do artigo 9º da EC nº 18/1965, na medida que seu inciso II e respectivo parágrafo único positivaram hipóteses estranhas àquelas previstas na matriz constitucional. Esta questão, atualmente, suscita discussões acerca da sua constitucionalidade, assunto este que aqui não será abordado.
Por seu turno, o artigo 37, por força do §2º do artigo 9º da EC nº 18/1965, dispôs sobre a “preponderância da atividade”:
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo. (Destaquei).
§2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.
[…].
Ao invés de conceituar o que deveria ser entendido por “atividade preponderante”, a inteligência legislativa preferiu adotar o critério da mensuração da “receita operacional”, dispondo que estaria caracterizada a preponderância da atividade imobiliária quando a receita desta fosse superior a 50%, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, na hipótese de pessoa jurídica existente e em pleno funcionamento. Quando no início das atividades, adotar-se-á os três anos subsequentes à aquisição.
Ainda sobre a “preponderância da atividade”, oportuno destacar que o §2º do artigo 9º da EC nº 18/1965 dispôs que sua definição deveria ocorrer em sede de lei complementar e não por via de lei ordinária. Sobre isto, oportuna a admoestação de BALEEIRO E DERZI (2018, p. 596), os quais esclarecem que a Constituição Federal de 1946, vigente à época, não distinguia o processo legislativo para formação da lei ordinária ou da lei complementar, formalmente falando. Portanto, inócua qualquer discussão a esse respeito
Sob a égide da Constituição Federal de 1967, o “Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos” continuou sob a ingerência dos Estados e do Distrito Federal:
Art 24 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre:
I – transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de imóveis;
[…].
§3º – O imposto a que se refere o n.º I não incide sobre a transmissão de bens Incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica nem sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas, salvo se estas tiverem por atividade preponderante o comércio desses bens ou direitos, ou a locação de imóveis.
[…].
Verifica-se que a Constituição Federal de 1967 não modificou as disposições do §2º do artigo 9º da EC nº 18/1965. Todavia, trouxe para dentro da imunidade tributária a não incidência prevista no inciso II do artigo 36 do CTN, constitucionalizando-a, assim como acresceu a hipótese de “extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas”, mantendo incólume a vedação da preponderância da atividade.
Sobrevinda a Constituição Federal de 1988, o “Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos” foi cindido, dando origem ao “Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação” (ITCMD) e ao “Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos” (ITBI), cabendo este aos Municípios e ao Distrito Federal (art. 156, II, c/c art. 147) e aquele, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 155, I). No tocante a imunidade tributária, esta foi tratada no artigo 156, §2º, I:
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
[…].
Sobre isso, BALEEIRO E DERZI (2018, p. 596) esclarecem que “a Constituição de 1988 restringiu mais a imunidade, para dela excluir, também, as pessoas jurídicas cuja atividade preponderante seja o arrendamento mercantil”. Ademais, acentuam que o “art. 37 do CTN não foi revogado pelas Constituições posteriores à Emenda n.º 18/1965. Por isso, os Municípios devem observar os critérios dispostos no art. 37, que disciplina o conceito de atividade preponderante”.
Ademais, é cediço que o marco constitucional de 1988 recepcionou as disposições pretéritas, naquilo que com ele não conflitasse. Portanto, por força do artigo 146, II, da Constituição de 1988, o §2º do artigo 37 do CTN fora recepcionado e nesta qualidade deve ser inteiramente respeitado, na medida que se trata de imunidade condicionada.
DO ESCOPO IMUNIZANTE
A imunidade tributária contida no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal não é simples benesse fiscal. A bem da verdade, a inteligência constitucional, ao ressalvar da não incidência do Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) a preponderância da atividade do adquirente com a compra, venda de bens imóveis ou direitos destes, assim como a locação ou o arrendamento mercantil desses, forjou uma robusta norma antielisiva, cujo escopo coíbe a desoneração do ITBI quando presente a mera especulação imobiliária.
Abordando o escopo da pretensão imunizante, a egrégia 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade de votos, ao desprover a apelação cível nº JAFC Nº 70068958545-2016, na ementa do acórdão consignou que:
“O legislador constituinte, ao imunizar a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em integralização de capital (art. 156, § 2º, I, da CF), pretendeu exclusivamente incentivar o crescimento da empresa, evitando que o recolhimento do ITBI se transformasse num estímulo contrário à formalização dos negócios. Qualquer desvio de finalidade da norma constitucional, direcionada a beneficiar pessoalmente os sócios, deve ser coibida.”
No voto condutor, o eminente relator, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, ao versar sobre a necessidade de se buscar os desígnios imunizantes, transcreveu a doutrina de Ricardo Alexandre (in DIREITO TRIBUTÁRIO ESQUEMATIZADO. Ed. Método. 9ª edição. p. 662), a qual, inclusive, foi consignada na ementa do acórdão. Além desta, no voto, também colacionou a lição de Aires F. Barreto, segundo o qual:
“O legislador constitucional pretendeu imunizar situações que demonstrem o crescimento das pessoas jurídicas, em que há a transferência de bens imóveis dos sócios para a pessoa jurídica, para o pagamento do capital social subscrito. Isso porque a não-tributação dessas situações pelo ITBI visa a facilitar a mobilização dos bens imóveis de seus sócios para as pessoas jurídicas.” (in CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO MUNICIPAL. Ed. Saraiva. 2009. p. 305)
Realça-se, neste ponto, que toda desoneração constitucional está calcada em premissas maiores. Por vezes, são utilizadas como instrumentos de proteção a valores caros à sociedade (ex. imunidade dos templos religiosos), por outras, para estimular a iniciativa privada a suprir a lacuna deixada pela ineficiência do Estado (ex. assistência social).
Em todos os casos, o objetivo pauta-se no interesse público e jamais no interesse exclusivamente particular, afinal os tributos representam a salvaguarda da sociedade e seu pagamento consiste num dever fundamental. No caso em epígrafe, Ricardo Alexandre (2021, p. 807), ao comentar sobre a desoneração constitucional em tela, diz que se trata de “uma imunidade tributária objetiva, que visa a estimular a capitalização e o crescimento das empresas e a evitar que o ITBI se transformasse num estímulo contrário à formalização dos respectivos negócios”.
Não se olvida que o empresário pode empreender da forma como melhor lhe aprouver, pois vigora no ordenamento pátrio os princípios da livre iniciativa, da liberdade negocial, entre outros da ordem econômica. Contudo, isto não autoriza o desvirtuamento da imunidade tributária a fim de transformá-la em mera vantagem particular à custa da coletividade.
DO CONCEITO DE ATIVIDADE PREPONDERANTE
Infere-se que o legislador infraconstitucional de 1966, ao regular o que deveria ser entendido como “atividade preponderante” (Art. 37, §1º, do CTN) o fez adotando o critério da mensuração da “receita operacional”, cujo conceito é próprio das ciências contábeis e que, historicamente, foi entendido como o resultado obtido a partir das operações com vendas de produtos/mercadorias ou serviços, identificados como frutos da atividade-fim, portanto, operacionais da empresa, expressando aquilo que é habitualmente exercido.
No Brasil, as normas contábeis são tratadas dentro da legislação contábil e societária. Em relação a esta, a Lei Federal nº 6.404/1974 (Lei das Sociedades Anônimas), na redação primitiva do inciso IV do artigo 187, determinava que a “demonstração do resultado do exercício” deveria discriminar “o lucro ou prejuízo operacional, as receitas e despesas não operacionais […]”.
Referida disposição sofreu alterações, sendo a última conferida pela Lei Federal nº 11.941/2009, restando o aludido inciso assim redigido: “IV – o lucro ou prejuízo operacional, as outras receitas e as outras despesas”. Neste ponto, destaca-se que a Lei das Sociedades Anônimas acolheu os conceitos advindos das “Normas Internacionais de Contabilidade”, das quais o Brasil é signatário. Assim, desde o ano de 2010, por intermédio das Leis de números 11.638/2007 e 11.941/2009, a legislação brasileira está em consonância com os padrões contábeis internacionalmente definidos, os quais visam harmonizar os procedimentos contábeis e a elaboração dos demonstrativos.
Na esteira, o CFC – Conselho Federal de Contabilidade, órgão responsável pela edição das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC), considerando o processo de convergência das práticas contábeis aos padrões internacionais, por intermédio da Resolução nº 1.159, de 13/02/2009, aprovou o “Comunicado Técnico CTG 2000, que aborda como os ajustes das novas práticas contábeis adotadas no Brasil trazidas pela Lei nº. 11.638/2007 e MP nº449/2008 devem ser tratados”, do qual colhe-se que:
[…].
- As definições da Lei nº. 11.638/07 e da MP nº. 449/08 devem ser observadas por todas as empresas obrigadas a obedecer à Lei das S/A, compreendendo não só as sociedades por ações, mas também as demais empresas, inclusive as constituídas sob a forma de limitadas, independentemente da sistemática de tributação por elas adotada.
[…].
A título de esclarecimento, a MP nº 449/2008 foi convertida na Lei 11.941/2009, a qual promoveu diversas alterações na Lei das Sociedades Anônimas, inclusive o “Comunicado Técnico CTG 2000” enfatizou que:
[…].
- As principais alterações promovidas pela Lei nº. 11.638/07 e MP nº. 449/08, que trouxeram impacto nos procedimentos e práticas contábeis, podem ser assim resumidas:
[…].
(m) Extinção da classificação das Receitas e Despesas em Operacionais e Não Operacionais;
[…].
Portanto, desde maio 2009 não se falar mais na dicotomia de receitas operacionais e não operacionais. Isto levou o “Comitê de Pronunciamentos Contábeis” (CPC), órgão responsável por manter as normas contábeis permanentemente atualizadas (arts. 3º e 4º da Resolução CFC nº 1.055/2005), a expedir o PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 47 (aprovado pela Coordenadoria Técnica, em 04/11/2016), o qual no “Apêndice A”, que trata sobre a “Definição de termos”, dispôs sobre o conceito de receita, nos seguintes termos:
Receita – Aumento nos benefícios econômicos durante o período contábil, originado no curso das atividades usuais da entidade, na forma de fluxos de entrada ou aumentos nos ativos ou redução nos passivos que resultam em aumento no patrimônio líquido, e que não sejam provenientes de aportes dos participantes do patrimônio. (Grifei).
Apesar de imprecisa, essa noção foi incorporada às normas contábeis e permite inferir que a receita é aquilo que provém das atividades normais (usuais) da pessoa jurídica, ou seja, relaciona-se com o exercício habitual da finalidade ou objetivos da pessoa jurídica. Conjugando isso com a orientação legal da Lei das Sociedades Anônimas, colhe-se que a definição de receita operacional se esvaiu, aflorando em seu lugar um conceito aberto e que designa toda entrada financeira oriunda do exercício habitual dos objetivos ou das finalidades da pessoa jurídica, afetando positivamente sua disponibilidade econômica ou patrimonial.
Portanto, para fins da tributação do ITBI, o conceito de “receita operacional” deve ser lido com as devidas adaptações às realidades societárias que permeiam os dias atuais, onde cada vez mais se busca a mitigação do ônus fiscal por via do planejamento tributário ou sucessório, implementado por intermédio de institutos societários, notadamente pela criação de pessoas jurídicas destinadas a administração de bens imóveis ou para participar de outras sociedades, comumente conhecidas como holding.
DA RECEITA ORIUNDA DA PARTICIPAÇÃO EM OUTRAS SOCIEDADES
Está voga, na atualidade, o engendramento de organizações societárias com o escopo de auferir proteção patrimonial, seja para fins de planejamento tributário ou sucessório, sendo inconteste as inúmeras vantagens advindas do emprego desses instrumentos. Todavia, quando se trata de pessoa jurídica cujo objetivo social é exclusivamente a participação noutras sociedades (seja sob a roupagem de coligada ou de controladora ou não), surgem inquietudes fiscais sobre a imunidade tributária sobre a transmissão de bens imóveis em realização de capital.
Sob a ótica fiscal, a participação noutras sociedades não consistiria em atividade operacional, na medida em que inexistira a produção, a compra ou a venda de produtos ou de mercadorias, assim como não haveria a prestação de serviços a justificar a constatação de uma atividade operacional. Contudo, inequivocamente a participação societária consiste na atividade-fim e que habitualmente é exercida (atividade normal/usual).
Sabidamente, a participação noutras sociedades consiste em notória atividade econômica voltada a obtenção de resultados que impliquem na mutação patrimonial da pessoa jurídica participante, a qual advém da distribuição de lucros ou do “método de equivalência patrimonial” ou não. Segundo o Pronunciamento Técnico CPC 18 (R2), do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC):
Método da equivalência patrimonial é o método de contabilização por meio do qual o investimento é inicialmente reconhecido pelo custo e, a partir daí, é ajustado para refletir a alteração pós-aquisição na participação do investidor sobre os ativos líquidos da investida. As receitas ou as despesas do investidor incluem sua participação nos lucros ou prejuízos da investida, e os outros resultados abrangentes do investidor incluem a sua participação em outros resultados abrangentes da investida.
Assim, integram receita da pessoa jurídica participante (investidora) os valores advindos da pessoa jurídica participada (investida). Portanto, falar-se-á sobre receitas advindas do habitual exercício dos objetivos sociais ou, conforme definido pela legislação de regência, proveniente das atividades normais (usuais) da pessoa jurídica. Em livre adaptação, tratar-se-á, portanto, da “receita operacional” a ser analisada para fins de verificação da preponderância da atividade.
Das sociedades que exercem atividades impeditivas
Para fins da imunidade tributária do ITBI, a participação em outra sociedade não é critério impeditivo. Todavia, como o legislador constituinte buscou evitar a obtenção de vantagens tributárias por meio da especulação imobiliária, seja de modo direto ou indireto, é preciso dizer que as sociedades que exploram atividades impeditivas impregnam com os mesmos pólenes as pessoas jurídicas que delas participam.
Dizendo de outro modo, a pessoa jurídica que explora atividade impeditiva ou tem sua receita preponderantemente oriunda da exploração da “compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”, por tangência, contamina a pessoa jurídica que dela participar e esta, igualmente, ficará impedida de usufruir da desoneração constitucional sob exame.
Este entendimento, de longa data, encontra-se cristalizado nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITBI. ISENÇÃO. TRANSMISSÃO DE BENS E DIREITOS INCORPORADOS AO CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA. EXCEÇÃO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA PREPONDERANTE. NECESSIDADE DE CUMULAÇÃO POR QUATRO ANOS. INTERPRETAÇÃO LITERAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
[…].
- A atividade preponderante se caracteriza quando mais de 50% da receita operacional da adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorre de transações imobiliárias, de modo que, quaisquer transações imobiliárias que gerem receitas à adquirente, próprias ou não, devem ser levadas em consideração para efeitos da análise da atividade preponderante, não se restringindo às transações realizadas pela própria adquirente. (Grifei).
- Conforme constou da decisão recorrida, a fiscalização concluiu que em 2004 e 2005 mais de metade do faturamento da empresa, nos dois períodos, resultou de atividade imobiliária, além de, em 2006 e 2007, ter receitas preponderantes de participação no resultado de controladas, cujos objetivos sociais são as mesmas atividades impeditivas ao reconhecimento da imunidade. (Grifei).
- Portanto, a atividade preponderante restou evidenciada, diretamente e mediante participação em empresas controladas, com atividades da mesma natureza, o que impede a concessão da imunidade. (Grifei).
[…]. (REsp nº 1.336.827/RS. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dj. 19/11/2015)
No mesmo sentido:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. ATIVIDADES DA MESMA NATUREZA. INCIDÊNCIA DE ITBI. LEGISLAÇÃO LOCAL. SÚMULA 280/STF. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAMINAR AS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. SÚMULA 7 DO STJ. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF.
- A Corte estadual assentou que a agravante teve como atividade preponderante a imobiliária nos exercícios de 2010 a 2014. Isso porque se deve levar em consideração a participação da controladora nas empresas controladas, que exercem atividades da mesma natureza. Fato demonstrado, inclusive, por perícia. Dessarte, o STJ entende que a atividade preponderante do conglomerado de empresas impede a concessão de imunidade tributária, portanto deve incidir o ITBI. (Grifei).
[…]. (AgInt no Ag no REsp nº 1.599.304 – SP. Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Dj. 08/09/2020)
Na mesma linha caminhou o Tribunal de Justiça Catarinense (TJ/SC, conforme se verifica do julgamento da Apelação nº 5043216-65.2020.8.24.0038/SC:
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS “INTER VIVOS” (ITBI). IMÓVEL TRANSFERIDO AO PATRIMÔNIO DE PESSOA JURÍDICA NO ATO DE SUA CONSTITUIÇÃO PARA INTEGRALIZAÇÃO DE COTA SOCIAL. RECEITAS RECEBIDAS A TÍTULO DE EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL QUE SE REFEREM À PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM EMPRESA COLIGADA/CONTROLADA A QUAL, POR SUA VEZ, DESEMPENHA ATIVIDADES RELACIONADAS À ADMINISTRAÇÃO E À COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS. INCIDÊNCIA CONFIRMADA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS. MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL INICIAL. RECURSO DESPROVIDO. (Grifei) (TJ/SC. Apelação nº 5043216-65.2020.8.24.0038/SC. Rel. Des. Jaime Ramos, 3ª Câmara de Direito Público, Dj. 24/05/2022).
Infere-se, que a participação em outras sociedades, em si, não é critério impeditivo para fruição da imunidade tributária do ITBI, desde que a atividade desenvolvida pela pessoa jurídica participada não seja impeditiva ou a receita preponderante não seja oriunda da exploração da compra e venda bens imóveis ou direitos destes, assim como não seja fruto da locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, a imunidade sob exame foi alicerçada na premissa de permitir a capitalização e o crescimento das empresas, razão pela qual, constitucionalmente, vedou-se a tributação do ITBI sobre as transmissões em realização de capital, justamente para que não representasse óbice ou desestímulo à formalização dos respectivos negócios. Todavia, a imunidade em questão não deve ser vista como mera desoneração tributária.
A inteligência constitucional, ao dispor condicionar a imunidade a verificação da não preponderância da atividade do adquirente com a compra, venda de bens imóveis ou direitos destes, assim como a locação ou o arrendamento mercantil desses, forjou uma robusta norma antielisiva, cujo escopo coíbe a desoneração do ITBI quando presente a mera especulação imobiliária.
Dentro dessa perspectiva, o artigo 37 do CTN ao se ocupar da regulação daquilo que deve ser entendido como “atividade preponderante” o fez adotando o critério da mensuração da “receita operacional”, cujo conceito é próprio das ciências contábeis, o qual, historicamente, sempre foi entendido como o resultado obtido a partir das operações com vendas de produtos/mercadorias ou serviços, identificados como frutos da atividade-fim, portanto, operacionais da empresa, expressando aquilo que é habitualmente exercido.
Ante a harmonização das normas contábeis brasileiras aos padrões contábeis internacionalmente definidos, referido conceito sofreu notória transformação. Segundo as resoluções do Conselho Federal de Contabilidade, não mais se fala em receita operacional, mas somente em receita, cujo conceito diz respeito aquilo que provém das atividades normais (usuais) da pessoa jurídica, ou seja, relaciona-se com o exercício habitual da finalidade ou dos objetivos sociais da pessoa jurídica.
Conjugando isso com a orientação legal da Lei das Sociedades Anônimas, colhe-se que a definição de receita operacional se esvaiu, aflorando em seu lugar um conceito aberto e que designa toda entrada financeira oriunda do exercício habitual dos objetivos ou das finalidades da pessoa jurídica, afetando positivamente sua disponibilidade econômica ou patrimonial.
Este entendimento ganha relevância quando se fala de pessoas jurídicas que exclusivamente participam de noutras sociedades, seja sob a forma de coligada ou de controladora. Neste ponto, esclarece-se que, por longo período, os fiscos municipais entenderam que a participação noutras sociedades não consistiria em atividade operacional, na medida em que inexistira a produção, a compra ou a venda de produtos ou de mercadorias, assim como não haveria a prestação de serviços a justificar a constatação de uma atividade operacional.
Entrementes, inequivocamente, a participação societária consiste na atividade-fim e que habitualmente é exercida (atividade normal/usual). Trata-se de notória atividade econômica voltada a obtenção de resultados que impliquem na mutação patrimonial da pessoa jurídica participante, a qual advém da distribuição de lucros ou do “método de equivalência patrimonial” da pessoa participada (coliga ou controlada).
Sob esta ótica, para fins da tributação do ITBI, o conceito de “receita operacional” deve ser lido com as devidas adaptações às realidades societárias que permeiam os dias atuais, onde cada vez mais se busca a mitigação do ônus fiscal por via do planejamento tributário ou sucessório. Além do mais, para fins da imunidade tributária em comento, a participação em outra sociedade não é e nunca foi critério impeditivo. Todavia, como o legislador constituinte buscou evitar a obtenção de vantagens tributárias por meio da especulação imobiliária, seja de modo direto ou indireto, é preciso dizer que as sociedades que exploram atividades impeditivas impregnam com os mesmos pólenes as pessoas jurídicas que delas participam.
Dizendo de outro modo, a pessoa jurídica que explora atividade impeditiva ou tem sua receita preponderantemente oriunda da exploração da “compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”, por tangência, contamina a pessoa jurídica que dela participar e esta, igualmente, ficará impedida de usufruir da desoneração constitucional sob exame.
Realça-se que a atividade preponderante se caracteriza quando mais de 50% da “receita operacional” da adquirente, no período de avaliação, decorre de transações imobiliárias, de modo que, quaisquer transações imobiliárias que gerem receitas à adquirente, próprias ou não, devem ser levadas em consideração para efeitos da análise da “atividade preponderante”, não se restringindo às transações realizadas pela própria adquirente.
Quando se tratar de pessoa jurídica que participa de outras sociedades, a preponderância da atividade deve ser aferida a partir dos resultados advindos da pessoa participada, mediante a apuração do resultado de equivalência patrimonial. Na eventualidade dos objetivos sociais se caracterizaram como atividades impeditivas ao reconhecimento da imunidade, esta mesma condição será estendida a pessoa jurídica participante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 15ª. ed. rev., atual, e ampl. – Salvador – Ed. JusPodivm, 2021.
BALEEIRO, Aliomar e DERZI, Misabel. Direito tributário brasileiro – CTN comentado. 14ª ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil de 1946. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em 12 jul 2023.
__________. Emenda Constitucional (1965). Emenda Constitucional nº 18, promulgada em 1º de dezembro de 1965. Reforma do sistema tributário. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc18-65.htm. Acesso em 12 jul 2023;
__________. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 12 jul 2023;
__________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 12 jul 2023;
__________. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em 12 jul 2023;
__________. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm#:~:text=LEI%20No%206.404%2C%20DE%2015%20DE%20DEZEMBRO%20DE%201976.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20Sociedades%20por%20A%C3%A7%C3%B5es.&text=Art.%201%C2%BA%20A%20companhia%20ou,das%20a%C3%A7%C3%B5es%20subscritas%20ou%20adquiridas. -Acessado em 09 Nov 2023;
__________. Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007.
Altera e revoga dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11638.htm . Acesso em 09 Nov 2023;
__________. Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Altera a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários; […]; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11941.htm#art37 – Acesso em 09 Nov 2023;
__________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.336.827/RS. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dj. 19/11/2015;
___________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo no Recurso Especial nº 1.599.304 – SP. Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Dj. 08/09/2020;
COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS. Pronunciamento Técnico CPC 18 (R2). Investimento em Coligada, em Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto. Correlação às Normas Internacionais de Contabilidade – IAS 28 (IASB – BV 2012). Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/menu/regulados/normascontabeis/cpc/CPC_18_R2_rev_12.pdf – Acesso em 09 Nov 2023;
______________________________. Pronunciamento Técnico CPC 47. Correlação às Normas Internacionais de Contabilidade – IFRS 15. Disponível em: https://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=105 – Acesso em 09 Nov 2023;
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. RESOLUÇÃO CFC Nº 1.055 de 07 de outubro de 2005. Cria o COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS – (CPC), e dá outras providências. Disponível em: http://static.cpc.aatb.com.br/Imagens/Res_1055.pdf – Acesso em 09 Nov 2023;
___________________________. RESOLUÇÃO CFC Nº 1.159, de 13 de fevereiro de 2009. Aprova o Comunicado Técnico CTG 2000 que aborda como os ajustes das novas práticas contábeis adotadas no Brasil trazidas pela Lei nº. 11.638/07 e MP nº. 449/08 devem ser tratados. Disponível em: https://www.normaslegais.com.br/legislacao/resolucaocfc1159_2009.htm#:~:text=Aprova%20o%20Comunicado%20T%C3%A9cnico%20CTG,449%2F08%20devem%20ser%20tratados. Acesso em 09 Nov 2023.