A governança no âmbito do IVA dual brasileiro é assunto de profunda relevância para os Municípios, na medida o CGIBS é o centro da governança do IBS, por determinação constitucional, ao passo que Receita Federal do Brasil (RFB) é o centro da CBS.
Logo, poder-se-ia dizer dizer que todos estão “presos até que o constituinte os separe”, pois a a Emenda Constitucional nº 132/2023 rompeu com o modelo de competência privativa. Esta inovação impõe uma profunda reconfiguração na lógica federativa e na gestão tributária sobre o consumo, exigindo cooperação, integração e coordenação entre os entes federativos.
Apesar de o IBS pertencer aos Estados, ao Distrito e aos Municípios e a CBS a União, urge esclarecer que são tributos estruturalmente idênticos em seus elementos essenciais da regra matriz de incidência tributária. A face dual do IBS e da CBS revela que a administração de ambos não poderá se dar forma livre pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, mas de forma integrada e cooperada.
Nesse sentido, a LC 214/2025 cria pontes formais (comitês de harmonização, atos conjuntos, ambiente tecnológico compartilhado de fiscalização, delegações e rotinas sincronizadas) para que o contribuinte viva um sistema integrado, apesar de haver dois tributos e dois gestores.
A integração entre os três níveis de administrações tributárias visa harmonizar normas, procedimentos e obrigações acessórias comuns ao IBS e à CBS, com compartilhamento cooperativo e recíproco de informações fiscais. Essa cooperação é essencial para a gestão compartilhada de sistemas e a eficiência da reforma tributária, destacando que ela, para fins de Estados e Municípios é longa e gradual, porém não dissociada da RFB.
Não obstante a arquitetura tecnologia indispensável à operacionalização da CBS, a cargo da União, no âmbito dos Estados e dos Municípios não é diferente. Embora se trate de dois tributos espelhados e, por força constitucional, estruturalmente idênticos, diferenciando-se pela partilha das receitas, haverá dois sistemas distintos atuando em paralelo, mas que deverão se integrar. Todo isso passa por aspectos de governança.
Além das questões tecnológicas, outros pontos da governança chamam atenção. São eles:
1) Arranjo constitucional de governança (pilar): A EC nº 132/2023 determina que Estados, DF e Municípios exerçam de forma integrada, exclusivamente por meio CGIBS, as competências necessárias à gestão do imposto compartilhado (IBS). Isso consolida o ComitÊ como instância central dos entes federativo e define a necessidade de coordenação com a União/RFB para os temas comuns ao “IVA dual” (IBS+CBS).
2) Harmonização entre IBS e CBS (governança “CGIBS/RFB/PGFN”): CGIBS, RFB e PGFN devem harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos de IBS e CBS (convênios, assistência mútua e compartilhamento de informações). Para tanto, a LC nº 214/2025 previu duas instâncias formais de governança: a) Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias (4 representantes da RFB + 4 do CGIBS; presidência alternada); e, b) Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias (PGFN + Procuradorias indicadas pelo CGIBS; presidência alternada).
Destarte, as resoluções desses órgãos, após publicação no DOU, vincularão as administrações tributárias e as procuradorias dos três níveis de governo. Igualmente, ato conjunto do Comitê de Harmonização e do Fórum Jurídico deve ser observado em atos administrativos, normativos e decisórios dos fiscos e procuradorias dos três níveis de governo.
3) Fiscalização, lançamento e contencioso (integração operacional): A competência para fiscalizar e lançar a CBS é de autoridade fiscal da União (RFB), ao passo que o IBS, de autoridades fiscais das administrações tributárias estaduais, distrital e municipais (no âmbito do CGIBS).
Para fins da operacionalização e integração do IVA dual, a LC nº 214/2025 previu um ambiente único de compartilhamento de provas e informação entre RFB e administrações estaduais e municiais, assim como entre estas e aquela, inclusive poderão usar provas e fundamentações umas das outras em seus lançamentos. Assim sendo, deverá ocorrer o registro do início e do resultado das fiscalizações de IBS e CBS em um mesmo ambiente, com gestão compartilhada entre CGIBS e RFB.
Apesar de se permitir o lançamento tributário reflexo, foi prevista a possibilidade de delegações recíprocas, mediante convênio firmado pela RFB e as administrações tributárias estaduais e municipais, para fins de delegar processos de pequeno valor (limite em regulamento), nisto incluindo o julgamento administrativo dos lançamentos feitos sob a regra de delegação.
4) Apuração, conformidade e ressarcimentos (rotinas sincronizadas): Um dos pontos centrais versa sobre a apuração, por meio da qual CGIBS e RFB podem apresentar apuração assistida (mesma base de documentos fiscais e informações) ao sujeito passivo, a qual deve ser uniforme e sincronizada para IBS e CBS, cabendo ao interessado realizar a confirmação/ajustes dos valores que constituem o crédito tributário.
Neste cenário, o ressarcimento/compensação também chamam atenção, na medida que possuem regras e prazos específicos. Neste cenário, CGIBS aprecia o pedido quanto ao IBS e a RFB quanto à CBS, com prazos específicos (há regras de prioridade para programas de conformidade conjuntos).
5) “Split payment” e fluxo financeiro (regras conjuntas): Ato conjunto CGIBS e da FB definirá a implementação gradual e hipóteses de adoção facultativa.
6) Metodologia da alíquota de referência e dados: A metodologia será elaborada conjuntamente pelo Poder Executivo da União e pelo CGIBS, com homologação pelo TCU.
7) Atos conjuntos em regimes/benefícios específicos: Em vários regimes/setores (bens de capital; dispositivos médicos e de acessibilidade; medicamentos), a LC 214/2025 prevê atos conjuntos entre Ministério da Fazenda/União e CGIBS para listas, revisões periódicas e ajustes — reforçando o modelo de coordenação normativa entre os dois polos do IVA dual.
CONSIDERAÇÃO FINAIS
A governança no âmbito do CGIBS e sua articulação com a Receita Federal do Brasil representam o coração operacional do modelo de IVA dual instituído pela EC nº 132/2023. A centralização das competências administrativas do IBS no Comitê Gestor e a necessidade de integração com a CBS, sob responsabilidade da União, exigem uma postura madura, cooperativa e tecnicamente qualificada de todos os entes federativos. O objetivo é oferecer ao contribuinte um sistema simples, previsível e eficiente, que permita a conformidade voluntária e a redução de litígios.
O arranjo normativo e institucional inaugurado pela LC nº 214/2025 consagra um modelo de governança interfederativa e colaborativa, baseado na harmonização de normas, na sincronização de rotinas e no compartilhamento de informações fiscais. A criação de comitês e fóruns conjuntos, a padronização de apuração e a integração tecnológica são pilares indispensáveis para que a reforma tributária alcance os objetivos de neutralidade, transparência e segurança jurídica. Nesse contexto, Municípios precisam participar de forma ativa e qualificada, garantindo que suas realidades e necessidades sejam contempladas nas decisões colegiadas.
Por fim, o êxito desse novo modelo dependerá do compromisso institucional de todos os atores envolvidos, bem como da capacidade de manter a cooperação federativa acima de disputas locais ou políticas. O CGIBS e a RFB têm a missão de transformar o sistema de tributação do consumo em uma estrutura mais justa e eficiente, promovendo equilíbrio federativo e desenvolvimento econômico sustentável. Uma governança bem implementada será o fator-chave para que a sociedade colha os frutos da maior reforma tributária das últimas décadas.