A Emenda Constitucional nº 132/2023, ao estabelecer que o IBS é imposto de competência compartilhada entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 156-A, caput), rompeu com o modelo de competência privativa. Esta inovação impõe uma profunda reconfiguração na lógica federativa e na gestão tributária sobre o consumo, exigindo cooperação, integração e coordenação entre as administrações tributárias estaduais, distrital e municipais, nos exatos termos do que jaz preconizado no inciso XXII do art. 37 do texto constitucional de 1988.
À luz da inovadora arquitetura federativa, o IBS foi dotado de feição nacional, assim como deverá ser cobrado pela soma das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação, o que reforça o caráter nacional e multifederativo do tributo. Procurando dar sustentabilidade ao novo modelo tributário, a Constituição atribuiu ao Comitê Gestor do IBS (CGIBS) a função de coordenar as administrações tributárias estaduais, distrital e municipais na execução das atividades administrativas relacionadas ao imposto, incluindo a fiscalização, lançamento e a cobrança (art. 156-B, §2º, V), cabendo-lhe a missão constitucional de promover a arrecadação, a compensação e a distribuição do produto da arrecadação (art. 156-B, I) aos Entes.
Na esteira, ao determinar que a instituição se daria por intermédio lei complementar, a cargo do Congresso Nacional, relativizou a competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como suas respectivas autonomias inerentes a gestão do imposto, inclusive impediu que estes, com exceção da alíquota, legislem sobre quaisquer aspectos da regra matriz de hipótese de incidência, bem como regulamente quaisquer conteúdos de natureza instrumental, devendo o IBS ter legislação única e uniforme nacionalmente.
Embora a competência pertença ao Estados, aos Distrito Federal e aos Municípios, nenhum ente foi constitucionalmente autorizado a exercer unilateralmente quaisquer atributos administrativos inerente ao IBS, devendo exercê-los de forma integrada, exclusivamente por meio CGIBS, nos termos e limites estabelecidos na Constituição e em lei complementar.
Sob o prisma constitucional, o CGIBS não substituirá os entes federativos no seu mister administrativo inerente ao IBS, o qual continuará sendo desenvolvido no âmbito das administrações tributárias e das procurarias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cujas atividades serão exercidas por servidores das respectivas carreiras. Portanto, compete ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas com vistas à integração e a cooperação entre os entes federativos.
DO IBS E DA CBS
Apesar de o IBS pertencer aos Estados, ao Distrito e aos Municípios e a CBS a União, urge esclarecer que são tributos estruturalmente idênticos em seus elementos essenciais da regra matriz de incidência tributária. Ambos têm os mesmos fatos geradores, sujeitos passivos e bases de cálculo, as mesmas regras de creditamento (não cumulativos) e as mesmas exceções (não incidência, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos), conforme se verifica da inteligência do artigo 149-B da Constituição federal:
Art. 149-B. Os tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, observarão as mesmas regras em relação a:
I – fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos;
II – imunidades;
III – regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação;
IV – regras de não cumulatividade e de creditamento.
Parágrafo único. Os tributos de que trata o caput observarão as imunidades previstas no art. 150, VI, não se aplicando a ambos os tributos o disposto no art. 195, § 7º.”
Referida identidade foi reforçada pelo §16 do artigo 195 da magna carta, cujo teor especifica todos os dispositivos do artigo 156-A que se aplicam inteiramente à CBS, são eles: § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13. Não integram este rol aquelas disposições que se aplicam exclusivamente aos Estados e aos Municípios, a exemplo da distribuição da receita ou da cobrança do imposto no destino da operação.
A face dual do IBS e da CBS revela que a administração de ambos não poderá se dar forma livre pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, mas de forma integrada e cooperada. Eis o motivo pelo qual os §§ 6ª e 7º do artigo 156-B da magna carta dispõe que:
§ 6º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, a administração tributária da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a eles relativos.
§ 7º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.
Referidas disposições foram regulamentadas pela Lei Complementar nº 214/2025, a qual, além de instituir o IBS e a CBS, estabeleceu um conjunto de regras acerca de procedimentos, documentos fiscais, cadastros, entre outros, que são comuns a União, aos Estados, ao Distrito Federal e dos Municípios, cujas disposições deverão ser regulamentadas em ato conjunto do CGIBS e da União.
Para além da regulamentação em ato conjunto, a Lei Complementar nº 214/2025, nos artigos 58 a 62, a dispor sobre a operacionalização do IBS e da CBS, prescreve sobre a atuação conjunta do CGIBS e a Receita Federal do Brasil (RFB) para implementar soluções integradas para a administração do IBS e da CBS, inclusive traz regras sobre cadastro com identificação única e compartilhamentos de informações, sobre documentos fiscais eletrônicos e sobre programa de cidadania fiscal.
Já nos artigos 317 a 341, dispõe sobre a administração do IBS e da CBS, dispondo sobre atos conjuntos para fins da regulamentação, cria o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias, os quais se traduzem em locus institucionais interfederativos, por meio dos quais as administrações tributárias e as procuradorias da União, dos Estados, dos Distrito Federal e dos Municípios atuarão de modo da harmonizar a interpretação e a aplicação das normas relativos aos citados tributos.
Dispõe, também, sobre a fiscalização, lançamento tributário de ofício, procedimentos fiscais, domicílio tributário eletrônico, presunções legais, documentos fiscais auxiliares e regime especial de fiscalização.
À luz disso, infere-se que se trata de um novo cenário no qual os Municípios foram imersos e que requer participação contínua e ativa no processo, por intermédio da representação paritária junto aos Estados, por intermédio do CGIBS, assim como deste junto à RFB.
O QUE É O CGIBS?
Segundo a mensagem que capeou a entrega do anteprojeto de lei ao Congresso Nacional, naquilo que recebeu título de PLP nº 108/2024:
[…] o Comitê Gestor se constitui no órgão interfederativo que congrega os entes subnacionais aos quais foi atribuída a competência tributária compartilhada relativa ao IBS. Em outras palavras, trata-se do “locus institucional” composto e gerido por todos os Estados, por todos os Municípios e pelo Distrito Federal, no âmbito do qual estes entes federativos exercerão, conjuntamente e de forma integrada, as competências administrativas que, em face do novo modelo insculpido na Constituição da República, pressupõem e requerem tal integração.
Referida mensagem reforça o que o CGIBS é entidade de natureza interfederativa, cujo escopo visa congregar os entes federativos estaduais, distrital e municiais, titulares da competência tributária compartilhada relativa ao IBS. Portanto, o Comitê Gestor figura como o “locus institucional” composto e gerido por todos os Estados, por todos os Municípios e pelo Distrito Federal, no âmbito do qual estes entes federativos exercerão, conjuntamente e de forma integrada, as competências administrativas que, em face do novo modelo insculpido na Constituição da República, pressupõem e requerem integração e cooperação.
Por força constitucional, o CGIBS é entidade pública sob regime especial e goza de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira (art. 156-B, §1º), bem como será financiado por percentual da arrecadação do IBS (art. 156-B, §2º, III) pertencentes aos Entes Federativos, o que reforça a necessidade de atuação perene dos Municípios na sua composição.
Reforça-se que o CGIBS não substituirá os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no tocante ao exercício das suas competências administrativas relativas ao IBS. A bem da verdade, conforme prescrito no caput do artigo 156-B da CF/1988, estes as:
[…] exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A:
I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;
II – arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios;
III – decidir o contencioso administrativo.
Portanto, tem-se que o CGIBS é a espinha dorsal e o cérebro do novo sistema tributário, tratando de órgão técnico/operacional, sem o qual a reforma tributária se torna inviabilizado, especialmente no que tange a operacionalização da mudança da tributação da origem para o destino e necessário à implementação do princípio da não cumulatividade plena do IBS.
CONSIDERAÇÃO FINAIS
A criação do Comitê Gestor do IBS representa uma mudança de paradigma na forma como os entes federativos brasileiros se relacionam no âmbito da tributação sobre o consumo. A partir da Emenda Constitucional nº 132/2023, a lógica de atuação isolada de cada ente cedeu espaço para uma gestão cooperativa, com regulação uniforme e atuação coordenada, garantindo maior segurança jurídica e eficiência na administração do imposto. Este modelo fortalece a ideia de um sistema nacional de tributação sobre bens e serviços, alinhado ao princípio constitucional da cooperação federativa.
Sob a perspectiva municipal, o CGIBS não é apenas uma obrigação, mas uma oportunidade. A participação ativa e qualificada dos municípios é essencial para assegurar que suas peculiaridades sejam contempladas no desenho e na execução das políticas tributárias. A presença paritária no Comitê e nos fóruns de harmonização é o mecanismo que garante voz e voto para os municípios, permitindo-lhes influenciar decisões que impactam diretamente sua arrecadação e sua autonomia financeira.
Por fim, a consolidação deste novo arranjo institucional exigirá amadurecimento político, capacitação técnica e compromisso permanente com a cooperação entre os entes federativos. O CGIBS deve ser entendido como um instrumento de integração e de fortalecimento do pacto federativo, capaz de viabilizar uma reforma tributária que seja não apenas eficiente e justa, mas também respeitosa das autonomias constitucionais e promotora do desenvolvimento local e nacional.