Como religião genuinamente nacional, a Umbanda promove o entroncamento das religiões africanas, indígenas, orientais e europeias (catolicismo e espiritismo kardecista). Por possuir raízes na África, divide-se em várias nações e mescla as tradições do culto aos sagrados orixás com elementos da cultura dos povos que formaram a nação brasileira (negros, índios, caboclos etc.), cujo universo é povoado por Entidades espirituais que, por intermédio dos médiuns (pessoas iniciadas na religião ou praticantes desta) trabalham espiritualmente e praticam a caridade.
O Candomblé, por outro lado, aproxima-se das antigas religiões da África. Primordialmente, centra-se no culto aos sagrados Orixás, ancestrais africanos divinizados que representam as forças da natureza, como a mais pura e elementar manifestação de Deus e sua criação em tudo que nos cerca. Juntamente com a Umbanda são as mais populares religiões de matriz africana presentes no Brasil.
Dentro das finalidades do culto de Umbanda estão o aconselhamento, a orientação, a reafirmação da doutrina, o auxílio espiritual e a desobsessão (tratamento que procura afastar a interferência prejudicial de espíritos). Por tal característica, sua liturgia envolve diversos aspectos, dentre eles destacam-se as orações, cânticos e invocações do sagrado que se manifesta por via das Entidades espirituais, estabelecendo um vínculo entre os planos físico e espiritual.
Por serem religiões que trabalham energias astrais, a Umbanda e o Candomblé têm nos cânticos, palmas, assobios, brados e nos tambores e nos atabaques alguns dos seus principais instrumentos de sustentação energética, cujos sons mantém a vibração positiva do local e dissipam as energias negativas do recinto ou das pessoas que formam a corrente ou que estão na assistência para serem atendidas.
É por meio da propagação das vibrações sonoras que a casa se firma e cumpre sua finalidade religiosa, inclusive por intermédio dos sons e dos diversos padrões musicais que os médiuns alteram suas consciências e seus padrões rítmicos e estabelecem suas conexões com o Espírito de Luz, naquilo que os leigos denominam de “estado de transe”.
Nesse sentido, uma das características das Casas de Umbanda ou Candomblé é sua construção de modo rústico, simples e desprovido de quaisquer meios que inibam os transpasses sonoros, os quais devem se propagar rumo ao infinito vibrando no lado etéreo da vida e perante os elementos da natureza, pois como dito, a Umbanda e o Candomblé têm no culto à natureza sua conexão com o divino e o sagrado.
DA PROTEÇÃO À PRÁTICA RELIGIOSA
A liberdade de crença é um direito assegurado na Constituição Federal de 1988, a qual garante a toda e qualquer pessoa o direito de praticar livremente sua religião e permite que a exerça num contexto de respeito, de paz e compreensão, especialmente do Poder Público, cabendo ao Estado não intervir ou cercear suas práticas litúrgicas ou embaraçar-lhe o funcionamento.
Nesse diapasão, os artigos 1º, III, 3º, IV, 5º, II, VI, VIII, XI e XVI, 19, I, e 220, §2º, do texto constitucional assim preconizam:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…];
III – a dignidade da pessoa humana;
[…].
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[…];
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[…].
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…];
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
[…];
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[…];
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
[…];
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
[…];
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
[…].
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
[…].
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
[…].
§2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
[…].
A par das transcritas disposições constitucionais, a Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010 (Institui o Estatuto da Igualdade Racial), em seus artigos 23 e 24, I e II, assim estabelece:
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende:
I – a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
II – a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;
[…].
Vê-se que a religião praticada pela Autuada está amparada por uma gama de normas e regras que a protegem do animus cerceativo do Poder Público, eis que está “assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.