Sabidamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre a dedução da base de cálculo do ISSQN do valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço na construção civil. Na ocasião, restou reafirmada a recepção do art. 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 406/1968. Logo, constitucional a dedução, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a competência para definir a dimensão da expressão “materiais fornecidos pelo prestador”, nos termos do art. 7º, §2º, da LC nº 116/2003, eis que lhe cumpre a competência para interpretar disposições de lei federal. Referido posicionamento foi consignado na ementa do acórdão ao Agravo Regimental ao Recurso Extraordinário nº 603.497/MG:
DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. CONSTRUÇÃO CIVIL. BASE DE CÁLCULO. MATERIAL EMPREGADO. DEDUÇÃO. RECEPÇÃO DO ART. 9º, § 2º, “A”, DO DL 406/1968. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE NÃO DESTOA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, reafirmada na decisão agravada, circunscreve-se a asseverar recepcionado, pela Carta de 1988, o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968, sem, contudo, estabelecer interpretação sobre o seu alcance nem analisar sua subsistência frente à legislação que lhe sucedeu – em especial, a LC 116/2003 -, tarefas de competência do Superior Tribunal de Justiça.
2. No caso, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, objeto do recurso extraordinário, não destoou da jurisprudência desta Suprema Corte, porque, sem contrariar a premissa de que o art. 9º, § 2º, “a”, do DL 406/1968 foi recepcionado pela atual ordem constitucional, e considerada, ainda, a superveniência do art. 7º, § 2º, I, da LC 116/2003, restringiu-se a delimitar a interpretação dos referidos preceitos infraconstitucionais, para concluir pela ausência, na espécie, dos requisitos para a dedução, da base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), de materiais utilizados no fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil.
3. Agravo interno conhecido e parcialmente provido, para, reafirmada a tese da recepção do art. 9º, § 2º, do DL 406/1968 pela Carta de 1988, assentar que sua aplicação ao caso concreto não enseja reforma do acórdão do STJ, uma vez que aquela Corte Superior, à luz do estatuído no art. 105, III, da Constituição da República, sem negar a premissa da recepção do referido dispositivo legal, limitou-se a fixar-lhe o respectivo alcance. (STF. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 603.497/MG. Sessão Virtual do Plano. Rel. Min. Rosa Weber, Dj. 30/06/20200.
Em fina síntese, a Suprema Corte reafirmou a recepção do artigo 9º, §2º do Decreto-lei nº 406/1968, porém ressaltou a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para delimitar a interpretação dos dispositivos de norma infraconstitucional. Inclusive, ao longo do voto condutor, a eminente Ministra Relatora teceu importante dicotomia entre os precedentes erigidas das respectivas Cortes Superiores e, ao fazê-la, trouxe à baila as divergências interpretativas acerca da dedução do valor dos materiais fornecidos pelo prestador do serviço, porém sempre manteve na alça de mira a perspectiva de que STJ não refutou a recepção constitucional das disposições 1968, com as alterações correlatas, inclusive enfatizou que:
“A solução dessa divergência está a cargo do Superior Tribunal de Justiça, no desempenho da sua função constitucional de preservar a autoridade e uniformizar a interpretação das leis federais”.
Salienta-se que, os precedentes erigidos do Superior Tribunal de Justiça, acerca da matéria em tela, são oscilantes. Assim, antes da decretação da repercussão geral pela Suprema Corte, existiam julgados que sinalizavam para indedutibilidade dos valores dos materiais adquiridos de terceiros e empregados na obra, visto serem eles insumos à prestação do serviço, fato este que afastavam as construtoras da sujeição passiva do ICMS. Sobre isso, cabe trazer à colação a ementa do acórdão do Agravo Regimental no Gravo de Instrumento nº 803.690/RJ:
TRIBUTÁRIO – ISS – CONSTRUÇÃO CIVIL – CONTRATO DE EMPREITADA – SERVIÇO DE CONCRETAGEM – BASE DE CÁLCULO – DEDUÇÃO DO VALOR – IMPOSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço total do serviço; de maneira que, na hipótese de construção civil, não pode haver a subtração do material empregado para efeito de definição da base de cálculo. Precedentes.
2. Deveras, se as empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, imposto estadual incidente sobre a circulação de mercadorias, conceito que não se ajusta aos insumos utilizados para a construção de edifícios e outros, os materiais adquiridos com essa finalidade devem compor a base de cálculo do ISS.
Agravo regimental improvido. (STJ. Agravo Regimento no Agravo de Instrumento nº 803.690/RJ. Segunda Turma. Rel. Min. Humberto Martins, Dj. 21/08/2008).
A partir do reconhecimento da repercussão geral, a Corte Superior de Justiça passou a decidir pela dedução, nos seguintes termos:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. REJULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO DO ART. 543-B, § 3º, DO CPC. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 2/STJ. ISSQN. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO VOLTADO PARA A CONSTRUÇÃO CIVIL. ABATIMENTO DOS VALORES DOS MATERIAIS UTILIZADOS E DAS SUBEMPREITADAS. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL (RE 603.497/RS). PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o art. 9º do Decreto-Lei 406/68 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pelo que é possível a dedução da base de cálculo do ISS dos valores dos materiais utilizados em construção civil e das subempreitadas.
2. Juízo de retratação exercido, na forma do art. 543-B, § 3º, do CPC/73, para negar provimento ao recurso especial. (STJ. REsp. nº 1033343 / MG. Segunda Turma. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dj. 13/11/2018)
No mesmo sentido:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISSQN. BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO DO VALOR DOS MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. DESINFLUÊNCIA DA DISTINÇÃO ENTRE MATERIAIS FORNECIDOS PELO PRÓPRIO PRESTADOR DO SERVIÇO E MATERIAIS ADQUIRIDOS DE TERCEIROS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. A dedução do valor dos materiais, utilizados na construção civil, da base de cálculo do ISSQN, conforme previsão do Decreto-lei 406/68 e da Lei Complementar 116/2003, abrange tanto os materiais fornecidos pelo próprio prestador do serviço, como aqueles adquiridos de terceiros. O que importa, segundo o entendimento pretoriano atual, é que os materiais sejam empregados na construção civil.
II. Na forma da jurisprudência, “‘Após o julgamento do RE nº 603.497, MG, a jurisprudência do Tribunal passou a seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à legalidade da dedução do custo dos materiais empregados na construção civil da base de cálculo do imposto sobre serviços, incluído o serviço de concretagem. Agravo regimental desprovido’ (AgRg no AREsp 409.812/ES, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, DJe 11/04/2014). Precedentes: AgRg no REsp 1.370.927/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 12/09/2013; EDcl no AgRg no REsp 1.189.255/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/11/2013; AgRg no REsp 1.360.375/ES, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/09/2013” (STJ, AgRg no AREsp 520.626/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 13/08/2014).
III. Agravo Regimental improvido. (STJ. AgRg no AREsp nº 664012/RJ. Segunda Turma. Rel. Min. Assusete Magalhães, Dj. 10/03/2016).
Esses e outros precedentes do STJ, à luz do julgamento do Agravo Regimental ao Recurso Extraordinário nº 603.497/MG pela Suprema Corte, foram colocados em xeque, na medida que a celeuma persiste em saber se diante das disposições do artigo 7º, §2º, I, da Lei Complementar Federal nº 116/2003 o artigo 9º, §2º, do DL nº 406/1968 segue aplicável. Referida questão ganha relevância, visto que o STJ nunca entrou em tal discussão; apenas se pronunciar sobre a recepção da norma de 1968.
Embora a Suprema Corte tenha explicitada a competência do Superior Tribuna de Justiça, no tocante a atribuição constitucional para interpretar e delimitar o entendimento das normas infraconstitucional, persiste a celeuma sobre quais materiais que por sua natureza integram a obra, cujos valores podem ser deduzidos da base de cálculo do ISSQN. Nesse ponto, a título provocativo, referido conteúdo deve ser definido pelo Legislador Federal ou pelo Municipal, ex vi dos artigos 146, III, “a” ou 30, II, da Constituição Federal, homenageando-se, assim, os postulados do princípio da separação dos poderes.
Assim, até que o Legislador Federal regule a matéria, cumpre aos Municípios o dever de tratar o assunto, dispondo nas respectivas legislações tributárias as regras acerca do que pode ou não ser dedutível, assim como estabelecer os parâmetros para fins das comprovações dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços, na hipótese dos serviços descritos nos subitens 7.02 e 7.05 da lista de serviços, sejam eles ou não adquiridos de terceiros.