Segundo o “Princípio da Legalidade Objetiva”, a Autoridade Administrativa deve aplicar a lei de ofício, pois, seu próprio ofício, é o de cumprir e fazer cumprir a lei, de modo objetivo e desinteressadamente, uma vez que não defende direito subjetivo e nem resguarda interesse próprio, mas, pelo contrário, age para fazer valer a lei, em face do interesse público.
Ao cumprir a lei, a Autoridade Administrativa age no sentido de convalidar o devido processo legal, insculpido no bojo constitucional como uma das garantias individuais do cidadão e da coletividade, posto que este impõe ao Administrador Público a necessidade de observar os rigores legais, retirando deste a voluntariedade, cercando-o de limites e comandos a serem seguidos, sob pena de falência dos atos que praticar, cabendo a própria Administração revê-los e decretar sua nulidade, quando desgarrado do comando legal.
Sobre esse assunto, escreveu o Mestre Hely Lopes Meirelles (MEIRERELLES, 1996, p. 183).
“A Administração Pública, como instituição destinada a realizar o Direito e a propiciar o bem comum, não pode agir fora das normas jurídicas e da moral administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação se dirige. Se, por erro, culpa, dolo ou interesses escusos de seus agentes, a atividade do Poder Público desgarra-se da lei, divorcia-se da moral ou desvia-se do bem comum, é dever da Administração invalidar, espontaneamente ou mediante provocação, o próprio ato, contrário à sua finalidade, por inoportuna, inconveniente, imoral ou ilegal.”
Na mesma esteira, afirma que (MEIRERELLES, 1996, p. 190):
“[…] a anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos.”
Doutrinariamente não há controvérsia. Em sede do Poder Judiciário, de tão debatida que foi a matéria, a mesma chegou à exaustão, achando-se pacificada sob o pálio das Súmulas n. 346 e 473, emanadas do egrégio Supremo Tribunal Federal, in verbis:
Súmula n.º 346. “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos próprios atos.”
Súmula n.º 473. “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial.”
Sob a ótica do direito administrativo, não resta dúvidas quanto à obrigatoriedade de anulação ou modificação do ato administrativo praticado, quando eivado de vícios que o torne imprestável ao fim a que se destina.
Diante disso, há de se registrar que o lançamento tributário é um ato administrativo vinculado, assim entendido, aquele para o qual a lei estabelece os requisitos e condições para sua realização. Nessa categoria, as imposições legais estão previstas no art. 142 da Lei Federal nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional – CTN), as quais absorvem por completo a liberdade da Autoridade Fiscal, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos no citado dispositivo, como requisito essencial à validade da exigência do crédito tributário.
Ademais, a Magna Carta ao delimitar o universo de tributos a serem arrecadados pelos entes estatais impõe a máxima observância de inúmeros critérios intrínsecos e extrínsecos, bem como intransponíveis, impondo ao Estado e ao Administrador Público a máxima obrigatoriedade de se cobrar (arrecadar) dos administrados, única e exclusivamente, o que está estabelecido nas normas instituidoras dos tributos; ou seja, nem mais e nem menos. Quaisquer atos contrários a esses ditames são nulos de pleno direito.
Neste escorço, ao efetuar o lançamento tributário, sob os rigores do supracitado art. 142, a Autoridade Fiscal diligente tem o dever de buscar a conformação do ato segundo as exigências legais (pressuposto de sua existência e validade), “assim entendido, a execução dos procedimentos tendentes a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Inobservados alguns desses critérios, o ato praticado (lançamento) apenas se travestirá de manifestação regular do poder estatal, mas não se aperfeiçoará por estar maculado, tornando-se imprestável, devendo de plano ser alterado ou mesmo anulado.
Sobre a alteração do lançamento regularmente notificado, dispõe o art. 145 do C.T.N.:
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.
Referido artigo expõe um rol taxativo de opções, encerrando três hipóteses possíveis, inexistindo qualquer preferência de uma sobre a outra, ou seja, a norma não impõe obrigatoriamente que o crédito tributário somente seja alterado via impugnação do sujeito passivo; pelo contrário, a impugnação do sujeito passivo é uma das hipóteses que pode ensejar a revisão do lançamento, bem como do crédito tributário lançado.
O caput do art. 145 supra é categórico dispor sobre a alteração do lançamento tributário (crédito tributário), via “ex-ofício”, desde que observadas as hipóteses do art. 149, in verbis:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (nosso destaque)
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; (nosso destaque)
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
Ao efetuar a revisão de ofício do lançamento tributário, a Autoridade Fiscal age no estreito cumprimento de um dever legal, qual seja, de primar pela correta aplicação da norma tributária, nos estreitos limites do princípio da legalidade, onde a Autoridade Administrativa não age imbuída de vontade própria, mas, outrossim, por impulso legal. Nesse sentido, Aurélio Pitanga Seixas Filho (FILHO, 2007, p. 224) assevera que:
Todas as autoridades administrativas, inclusive as fiscais, possuem uma atribuição legal, uma função, dentro da qual têm o dever de agir ou funcionar, sem que possam livremente dispor, ou possuam a faculdade de dispor dos interesses coletivos (públicos), cuja supremacia sobre os interesses individuais ou particulares deve sempre ser preservada.
O cumprimento da função atribuída por lei ao órgão fiscal, é, conseqüentemente, um imperativo que não tem semelhança, ou guarda alguma compatibilidade com a faculdade ou o interesse de agir que os particulares possuem, em decorrência do livre-arbítrio ou disponibilidade de que são titulares sobre os seus próprios direitos subjetivos.
A autoridade fiscal não tem qualquer faculdade ou direito subjetivo de agir, nem tem algum interesse próprio ou particular com o exercício de sua função legal […].
Ao agir de ofício, a Autoridade Fiscal, além de curvar-se ao comando da lei, valida o primado no Principio da Eficiência insculpido no “caput” do art. 37 da Magna Carta, sobre o qual escreve Professor Alexandre de Moraes (MORAES, 2003, p, 317):
[…] princípio da eficiência é aquele que impõe a Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca de qualidade, primando pela adoção de critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação de serviços sociais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.
Portanto, é dever de toda e qualquer Autoridade Administrativa revisar e anular os atos administrativos, quando estes se achem maculados por vícios (formais ou materiais), que os tornem imprestáveis à manifestação regular da vontade estatal.
Em matéria tributária, o dever de revisar e modificar o ato administrativo viciado é ainda mais premente, posto que sua natureza, por ser de ordem pecuniária, pode levar a Administração Fazendária a uma aventura insólita que poderá resultar em prejuízo ao erário público, pois a decretação da nulidade na via judicial acarretará verbas de sucumbência em detrimento da coletividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/c civil03/Constituicao/Constitui çao.htm. Acesso em 10/01/2024.
_______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível Em: http: //www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS /L5172.htm. Acesso 10/01/2024.
FILHO, Aurélio Pitanga Seixas. Princípios de Direito Administrativo Tributário. Revista de EMERJ, Rio de Janeiro, V. 10, nº 37, 2007, p. 221 a 237.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21a. ed. São Paulo, Malheiros Editores, 02/1996;
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 14a. ed., São Paulo, Atlas 2003.